quinta-feira, junho 30, 2005

Canal memória

Como estamos em época de férias grandes para a rapaziada da escola, lembrei- me (com tantas saudades e invejinhas) do tempo em que estava incluída nesse grupo que goza 2 meses de férias em pleno Verão...

Ai que bom que era... ficar sozinha em casa a ver o "Agora Escolha" com a Vera Roquete a apresentar as séries de culto como o Verão Azul (com aquele personagem único: o Piranha), a Ana dos cabelos ruivos, Quem sai aos seus e outras tantas de qualidade superior! Foram muitas as tardes que passei esticada no sofá de frente para a TV e para a ventoinha...

Esta era a melhor parte das férias... sentia- me crescida porque ficava sozinha em casa. É bem verdade que não tinha ordem de soltura mas podia escolher qual o canal de TV que queria ver, a rádio que queria ouvir (bem alto, aproveitar enquanto estava só para tirar o pó às colunas) e sair de rompante, no intervalo, até ao café mais próximo para comprar um geladinho.

Lamentava não poder ir à praia mas aquela sensação de autonomia e independência de ter a casa por minha conta compensava o lamento... além disso, tinha a perfeita consciência de que a pior parte das férias ainda estava para vir: a deslocação à terra da mãe. Bbrrrr... ainda hoje me arrepia!

Lembram- se com certeza daquelas viagens detestáveis... um calor imenso dentro do carro, aquelas indisposições habituais para quem vai no banco de trás, a minha irmã sempre a pedir para encostar porque estava mal- disposta, ou queria fazer chichi ou tinha fome... e eu, em desespero de causa sempre a perguntar: Oh paaiiii, ainda falta muito? A pergunta é normal, o que não é normal é eu começar a fazê- la 30 km's depois de sair de casa... o percurso era de 200, por aqui podem imaginar o suplício do meu pai!

O que realmente me atormentava o espírito, era saber que chegada à santa terrinha teria que cumprimentar 80% da população... com vocês não era assim, ou não se lembram? Se não se lembram, permitam- me que vos avive a memória!

Recordo como se tivesse acontecido há uns... 15 anos ( e foi mesmo... Socorro, 'tou a ficar velha!!!) Logo na viagem a minha mãe fazia dezenas de recomendações: "Meninas, portem- se bem, não se esqueçam de cumprimentar a prima Chica e a prima isto e a prima aquilo, e a vizinha tal e a comadre coiso"... e seguia por aí fora... lembro- me de ter a clara sensação de que toda a gente da terra era da minha família. Mas a última das recomendações era para a minha maninha: "Se fazes favor, não limpas a cara depois de as senhoras te beijarem, ouviste?"

O que responder a isto... eu subscrevia completamente a atitude da minha irmã, estava 100% solidária com ela... a diferença é que não tinha a lata dela para limpar a cara debaixo das barbas das senhoras (não é figura de estilo, era mesmo o estilo delas: algumas tinham só bigode mas outras tinham o pacote completo).

Depois da sessão de cumprimentos com vários metros de comprimento e das conversas e dos reparos habituais: "Ai, já estão tão crescidas, a sua mais velha está uma mulherzinha, está quase do meu tamanho" (o que não era difícil, tendo em conta que nenhuma media mais de metro e meio) lá nos libertavam para a brincadeira... mas o calor era de tal ordem que até as moscas ficavam moles, quanto mais as crianças!

O tédio de dormir a sesta era o meu pior castigo... nunca fui "piquena" de dormitar a meio da tarde mas os meus pais insistiam no seu descanso depois do almoço e queriam, a todo o custo, que as filhas também dormissem. Nunca conseguiram essa proeza... ficava toda a tarde com a minha irmã e os primos a ver TV (viam- se melhor os canais de Espanha que os nacionais... lembro- me do MacGyver a falar espanhol) e a fazer travessuras ao avô que, ora enrolava um cigarrito de tabaco Mata Ratos, ora picava milho na cozinha, com o chapéu preto pendendo para a frente cobrindo os olhos!

Ainda arriscámos tentar sair de casa para passear na aldeia mas cedo percebemos porque é que não se via vivalma nas ruas... assim que espreitávamos pelo postigo levávamos uma "chapada de calor" (a expressão é gira mas não é de minha autoria, ouvi há dias e achei piada)!

Sempre achei que os dias eram maiores naquela terra... o ponto alto do dia era fazer os recados à avó na mercearia mais próxima... o que também não era tarefa fácil... na mercearia estava sempre aquela percentagem da população que não nos conhece (20%) e tem a ousadia de perguntar tal e qual como vos digo: "Quem és tu? És filha de quem?" fim de citação. Perante isto, o que há a dizer? A dada altura desisti de ir sozinha às compras... é que aquelas pessoas têm memória curta... de umas férias para as outras esqueciam- se sempre de quem eu era filha!

A semana chegava ao fim e na viagem de regresso a casa repetiam- se as paragens consecutivas por causa da minha irmã e das suas vontade súbitas, e as minhas perguntas incómodas "Oh paaaiiii, ainda falta muito?"

"Não filha, está quase!"- eu sabia que era uma mentirinha inocente só para me calar... por isso voltava a perguntar e a perguntar e a perguntar... até encontrar sinais na paisagem que me fossem familiares. Eram as saudades de casa... Hoje são as saudades desse tempo!

Nota: Reviver estas memórias deixou- me com uma ruga de preocupação na testa... lá diz a canção "Oh tempo volta para trás"...

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